Chegou
em casa mais tarde do que de costume e viu que estava sem as chaves. Lei de
Murphy. Todos estavam dormindo. A dor nos rins aumentava cada vez mais. Tocou a
campainha duas vezes e nada. Desabou a chuva. Sem bateria no celular, teve que
caminhar até um telefone público. A irmã só resmungou um “está aberto”. Entrando,
percebeu que aquela dor que sentira era apenas reflexo da forte ligação que
tinha com Ana que encontrava-se sentada no chão, ao lado do telefone, com os
joelhos juntos ao peito. Sabia exatamente o que ela sentia. Em suas devidas
proporções, sempre sabia. Aos gritos acordou os pais, pois a chave do carro não
estava no lugar. Não dava tempo de esperar por uma ambulância, a dor era quase
insuportável. O pai, apenas pelo fato de saber que não o deixariam mais dormir,
carregou Ana até o carro, sem muito cuidado, e dirigiu até o hospital. Vitória
segurou a mão da irmã por todo o caminho, sem ouvir choro, nem palavra alguma.
Não era necessário. Ela sabia o que Ana sentia.
O
sol ainda nem havia aparecido quando deixou o hospital. Já estava a par do
estado da irmã: uma cirurgia simples para remover um cálculo renal. Já na
frente do escritório onde trabalhava, aconteceu aquela cena típica de um dia de
azar. Um ônibus passou em uma poça d’água, sujando de barro sua roupa. Era inacreditável
que no outro dia, tudo ainda desse errado. Lei de Murphy, lembrou.
Sua
carta de demissão estava pronta em cima da mesa. Sorriu irônica. Pegou-a e sem
falar com ninguém, saiu do prédio. Freada brusca. Deitada ali no chão, ao mesmo
tempo em que o médico discava para lhe contar da complicação que ocorrera na
cirurgia da irmã, Vitória perdeu os sentidos e Ana também.
2009
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