quinta-feira, 30 de maio de 2013

Pra que serve a Copa do Mundo?

No dia 23 de maio, participando do Seminário de Educação da Escola São Miguel, em Charqueadas, tive contato com o texto sobre a diminuição da maioridade penal escrito por Eliane Brum. A discussão que a leitura gerou entre as professoras que ali estavam, me remeteu diretamente à Copa do Mundo. O Brasil está gastando bilhões de reais para receber o evento e tenho escutado muitos brasileiros criticando a inutilidade desse gasto. Pra que serve, então, a Copa do Mundo? Para a nossa indignação. Essa é a palavra em torno da qual disserta a escritora anteriormente citada.
É possível que se faça uma linha para ilustrar o sistema do nosso país. Em um dos extremos está o governo e no outro nós, o povo brasileiro. Entre os dois pontos os problemas sociais noticiados diariamente pela mídia. O governo é quem tem o poder e o dever de cuidar e mudar a nossa péssima condição social. Os brasileiros que trabalham nas entidades públicas, como escolas e hospitais, e principalmente quem as administra são quem o governo quer que dê conta de tudo isso. Ultimamente, temos visto várias boas mudanças que estão sendo anunciadas na televisão pelos próprios “poderosos” dentro de um sorriso orgulhoso. Cito algumas que considero mais importantes: nenhuma criança ficará fora da sala de aula, as escolas públicas são obrigadas a dar vagas; agora, os hospitais públicos têm sessenta dias para iniciar o tratamento de câncer em usuários do SUS; milhares de jovens brasileiros podem cursar a universidade sem custo algum através do PROUNI; e, paremos por aqui. O poder determinou, agora cumpram!
A escola precisa incluir na sala de aula mais um aluno, mas quem criou a lei de trás de uma mesa, não sabe que o número de alunos que estudam ali já passou dos limites do que seria preciso para um ensino de qualidade. Isso sem nem considerar os outros aspectos da (falta de) educação. Além do número exorbitante de alunos na turma, alguns necessitam de atendimento e cuidados especiais, mas o Estado não prepara os professores pra isso, ou seja, essa primeira grande mudança é fajuta.
Levantem as mãos para o céu! O Governo Federal encontrou a solução para o seu familiar que tem câncer. Mais uma utopia. Que condições têm os hospitais públicos de diagnosticar e tratar o câncer em “tão pouco tempo”? Não sei, virem-se os dirigentes das entidades, o governo já fez sua parte, criou a lei.
Quem usufruiu do PROUNI deve estar só esperando pela minha crítica a essa maravilha, mas não é sobre o programa que cai minha indignação, é sobre essa maneira de mais uma vez mascarar as reais soluções para os problemas do Brasil. A qualidade da educação está despencando, mas nada se faz para que as crianças sejam bem alfabetizadas e para que cresçam intelectualmente a cada ano que passam na escola. Nos casos em que isso acontece, deve-se boa parte dos méritos aos profissionais da educação. Eles que não ganham um amparo financeiro ideal e nem boas condições de trabalho. Se o governo se preocupasse com a melhoria da escolaridade desde a sua base, nós, jovens universitários, teríamos condições de obter uma aprovação nas universidades públicas ou estaríamos bem colocados no mercado de trabalho tendo, assim, condições de pagar nossos estudos, sem contar a preciosidade do conhecimento que jamais nos tirariam.
        Nada disso importa. Teremos a Copa do Mundo e, ainda gastaremos mais alguns francos nos ingressos pra ver a solução do Brasil, o futebol. Reflita se você não pensa assim. Enquanto isso, eu me indigno por, mais uma vez, o poder público do Brasil ser tão estúpido que em vez de aproveitar o evento mundial para trazer reais melhorias à sede da Copa, já gastou 26 BIlhões e meio em estádios de futebol, reformas nos aeroportos e algumas mudanças na saúde para receber bem os estrangeiros. A Copa do Mundo de 2014 só não será mais vergonhosa do que as condições sociais dos seus anfitriões. Indigne-se!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Silêncio no Jardim



Me dá um medo incrível toda vez que percebo ele me olhando. Eu não sei o que passa naquela mente enquanto os olhos me seguem e mudam até o brilho dependendo do que eu faço. E se meu olhar cruza, sem querer, o dele, ele sorri.
Há pouco mais de cinco anos Moisés está na clínica. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu, mas quando sua mãe o trouxe disse apenas que ele havia perdido a noiva em um acidente aéreo em 2007. Teve a companhia da família nos primeiros meses, pelo menos, uma vez por semana e conforme o tempo ia passando, crescia o intervalo entre as visitas. No fim do ano passado tentei contato com os pais, mas parece que não moram mais em Porto Alegre.
Trabalho na Santa Cecília desde que me formei em terapia ocupacional, fora o estágio obrigatório da faculdade que realizei aqui também. Foi nesse período que pude ter certeza da área que eu queria seguir e assim que peguei o certificado de conclusão do meu curso, tirei uma cópia pra anexar aos meus documentos na clínica. Fui chamada em dezessete dias. Jamais senti medo de paciente algum. Jamais pedi pra que algum colega me substituísse em tarefa nenhuma. Eu adoro esse lugar e adoro o meu trabalho. Mas o Moisés me transmite algo estranho, nem eu mesma tenho certeza quando eu digo que é medo. Não é isso que sinto, acho que tenho medo de significar algo pra ele. Aquele homem de trinta e sete anos, não fala desde o dia do acidente. Pelo menos é o que consta na ficha.
Um dia ele falou. Falou uma única palavra, mas falou e ninguém acreditou quando contei. Ele segurou minha mão e disse Mariana, acredito que seja o nome da noiva, mas como não consigo encontrar a família, até hoje estou sem informação alguma sobre o Moisés. Desde esse dia ele me dá os tais sorrisos que mencionei e o meu profissionalismo me impede de sorrir de volta. Outra noite, sonhei que estava sentada ao lado dele no jardim da Santa Cecília e que ele me contava toda a sua história. Ele disse que morreu em um acidente há alguns anos e que não sabe por que eu consigo enxergá-lo, já que ninguém o vê ou o escuta. Disse que tentou falar com várias pessoas, mas ninguém o entendia. Falou para a mãe que seu amor, ou seja, sua vida acabou naquele dia, mas amor era uma palavra que ela não conhecia, o que cortou qualquer possibilidade de comunicação entre eles. Dali em diante, não disse mais nada até que encontrou a única pessoa que entendia o significado da morte pelo diagnóstico que ele mesmo deu.
De tanto ver filmes e novelas, pensei em muitas coisas quando acordei, como se, talvez, eu pudesse mesmo falar com alguém que não está aqui de fato. Assim que cheguei à clínica, fui olhar os arquivos. Sim, estava lá o nome dele e não constava a palavra óbito nos registros. E mais uma vez o meu profissionalismo que, às vezes, vai de encontro ao que eu sinto, me impediu de acreditar no sonho. E o Moisés continua lá, a me sorrir como que na esperança de que um dia eu realmente sente ao seu lado no jardim.