Eu decidi voltar. No 492º
dia fora de casa, enquanto eu tomava meu chimarrão, decidi começar a planejar
minha volta. Começar a pesquisar preços de passagens, pensar em qual mês seria mais tranquilo pra chegar
em casa, pensar em onde será a minha casa, já que casei e, por isso, a casa dos
meus pais não e mais uma opção, pensar se vou primeiro pra Charqueadas ou se primeiro
visito meus sogros em São Paulo e por ai foi meu pensamento durante toda a
tarde de hoje. Um turbilhão de coisas na cabeça por causa de um chimarrão.
Quando eu vim morar em
Dublin, as primeiras coisas que foram pra mala foram a minha cuia, que comprei
especialmente pra trazer, minha bomba e cinco quilos de erva mate. A cuia foi
comprada no mesmo lugar em que meu pai sempre compra tudo que precisa pro chimarrão,
no Mercado Público de Porto Alegre. A bomba foi presente de primeira qualidade que
ganhei da minha prima e a erva não pude comprar
a mesma que sempre usamos em casa porque não vem embalada a vácuo, então
comprei de uma marca que eu já conhecia e sabia que era boa.
Tive muito cuidado nessa
etapa da preparação da minha viagem porque, como todo bom gaúcho, não vivo sem chimarrão
e como eu sabia que passaria, pelo menos, um ano fora, escolhi tudo a dedo. Mas,
pasmem! Aqueles cinco quilos de erva mate que eu trouxe ainda não acabaram. Até
alguns dias atrás o que eu entendia disso era que sim, eu posso viver sem chimarrão,
já que eu consigo saciar o meu “ex-vicio” somente uma vez na semana ou até em
um intervalo maior. Hoje, enquanto eu tomava o meu chimarrão, eu descobri que
eu estava enganada: ainda tenho erva no meu estoque porque aqui ele não tem o mesmo gosto.
Imagino que alguém me
perguntaria agora por que não tem o mesmo gosto se eu trouxe cuia, bomba e erva
mate do Rio Grande do Sul. Será a água? Não, aqui a água tem o mesmo gosto de
nada que ela tem no Brasil. O que faz o chimarrão não ter o mesmo gosto é a
falta da roda que se cria em volta dele naquele momento tão especial do dia.
Hoje, enquanto eu tomava meu chimarrão, pude enxergar a fumacinha saindo da
garrafa térmica no momento em que meu pai servia o próximo. Enquanto eu tomava
meu chimarrão, pude me sentir como se estivesse sentada no colo da minha mãe
nos fundos de casa enquanto era a vez dos meus irmãos na roda. Pude sentir o
cheiro da comida sendo preparada no fogão a lenha e enxergar os meus gatos se
aquecendo debaixo dele.
Hoje, pela primeira vez em
492 dias, eu senti o verdadeiro gosto do chimarrão e percebi que ele não é
apenas uma bebida amarga típica do Sul do Brasil. Percebi que aquele gosto faz
parte das nossas vidas, nos aproximando das nossas famílias e amigos e que ele
tem o poder de cultivar bons sentimentos. Hoje, enquanto eu tomava o meu chimarrão,
eu descobri que nada tem valor maior do que poder compartilhar esse sabor
amargo com as pessoas que nos fazem ter os sentimentos mais doces da vida.
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