quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Coisas para Guardar em uma Caixinha de Música


Sempre fiquei encantada vendo aquela bailarina girar ao som da música tão suave que a embalava. Quando era criança, eu chegava à casa da minha avó, dava um abraço apressado e ia para o quarto abrir a caixinha para ver a boneca. Passava muito tempo ali dançando com ela. Dava corda mais uma vez, dançava mais um pouco e assim eu ia fazendo até que a vontade de correr para o colo da minha avó me fazia desligar um pouco daquela magia. Antes de sair, eu colocava a bailarina para dormir, queria que ela tivesse um sonho bem bonito para dançar lindamente para mim no outro dia. Antes que ela pegasse no sono eu dava mais uma corda para que, assim que eu a acordasse, ela pudesse começar logo a sua apresentação.  
Eu estava na quarta série quando a minha tia me deu de presente o primeiro livro que li, O Mágico de Oz. Decidi que a partir de então, a boneca da caixinha se chamaria Dorothy, pois imaginei que ela devia sonhar tanto quanto a menina do livro. As duas foram muito importantes na formação da adulta que sou hoje. A Dorothy do livro me ensinou a não desistir de nada que eu queira, sempre há um jeito de alcançar se não desistirmos. A Dorothy bailarina, que nunca me contava nada do que estava sentindo, me mostrou que algumas coisas devem ficar guardadas em uma caixinha, acompanhadas de uma boa música.
Construí minha caixa e a primeira coisa que guardei lá foi a Dorothy que tirei da caixinha da minha avó depois que estragou e coloquei junto à lembrança que tenho dela, a verdadeira dona da bailarina. A que tenho mais nítida e que foi a que eu escolhi pra deixar lá, foi a do dia em que fizemos o piquenique no descampado perto do rio. Ela fez questão de levar café passado em uma garrafinha, porque comer os bolos dela sem sentir aquele cheirinho seria muito injusto e eu reclamaria. Enquanto comia todas aquelas coisas boas sem pensar em quantas calorias estava ganhando – crianças são muito inteligentes para se preocupar com isso – ela me contava algumas histórias. Uma delas eu decidi guardar também, e por isso vou contá-la em breve. Comemos, tomamos café e conversamos até o anoitecer. Ajudei-a a recolher a toalha xadrez de vermelho e branco, coloquei as cascas das maçãs em uma sacola e fomos de mãos dadas para casa. Claro que não para a minha, dormi com ela naquela noite.  
Antes de contar a história que eu escolhi – estou com medo de esquecer algum detalhe – vou guardar a música. Eu achei graça quando comecei a perceber que todas as vezes que meu irmão brigava com a namorada, trancava a porta do quarto e ficava escutando Legião Urbana ou Engenheiros do Hawaii. Se ele já estava triste pela situação, por que escutava músicas que o deixavam ainda mais triste? Até que, quando eu tinha sete anos, tive que me separar do grande amor da minha vida. É verdade, com sete anos! Então eu pensei: meu irmão já tem 19 anos, deve saber o que está fazendo. Decidi pegar uma das fitas dele, me trancar no quarto e desde então, fiquei durante meses escutando quase todos os dias a canção que eu vou guardar pra sempre: Giz.
Eu disse que era o amor da minha vida, pois até hoje, mais de vinte anos depois, quando a escuto, lembro dele. Começamos o nosso namoro aos três anos, não sei bem como foi o início, mas antes mesmo de sabermos falar direito, segundo o que minha mãe conta, ele batia lá em casa e saíamos os dois de mãos dadas para passear. Veja bem que era um namoro sério, até com o consentimento da família. Nessa mesma época ele guardava tijolos no fundo do pátio e dizia que era para construir a nossa casa quando fôssemos adultos. Passamos todas as tardes juntos até os sete anos de idade quando ele foi morar longe da nossa pequena cidade. Continuamos nosso relacionamento por cartas e visitas, tanto minhas quanto dele, duas ou três vezes por ano. Quando tínhamos treze anos eu dei o meu primeiro beijo que também era o primeiro dele. Claro que foi um desastre, mas ele vai ficar bem guardado na caixinha, pois lembro perfeitamente do que senti naquele momento. Aquele foi nosso último fim de semana de namoro. É muito difícil guardar pessoas na caixinha de música, pois isso só acontece quando sei que elas não farão mais parte da minha vida, ficarão somente na memória. Mas como ontem eu recebi a notícia de que ele vai casar no próximo mês, está mais do que na hora de deixá-lo na companhia da minha bailarina.

          Desde que comecei a construir a caixinha, estou pensando na história da minha avó, mas não consigo lembrar os detalhes. Sei a parte mais importante e que precisa ser guardada lá. Era uma vez uma menina que prendia os cabelos com duas fitas, usava um vestido no comprimento do joelho e era dona do sorriso mais lindo que já se viu – eu sempre imaginava a Dorothy do livro quando ela descrevia a menina. Depois que eu a enxergava, aconteciam muitas coisas na história que eu não lembro bem, mas o que não vai sair da minha memória é que ela sempre dava um jeito de realizar seus sonhos. Ela sonhava tanto com uma estrela que um dia alcançou uma e, segurando firme com apenas uma das mãos, passeou por um lugar lindo que possuía flores de todas as cores. Essa foi a recompensa por não ter desistido do que parecia impossível. Essas coisas ficarão guardadas pra sempre, imexíveis. Agora preciso dar corda na minha caixinha de música, deixar a boneca descansar e sair em busca da minha estrela. Não devo demorar.



Como Eu Conto a Crônica


Indo para o trabalho hoje à tarde, sentei-me na mesma poltrona de sempre. Eis que um senhor sentou ao meu lado no ônibus e me perguntou o que era preciso para escrever um poema. Fiquei alguns segundos pensando o que responder, já que a pergunta que perambulava na minha cabeça era outra muito mais difícil. Como ele sabia que eu escrevia? Respondi apenas inspiração. Mas sobre aquela segunda pergunta, a minha, eu não sabia o que pensar. Publiquei pouca coisa, mas nada acompanhado de foto. Aliás, escrevi pouca coisa, quase nada de poesia.  Aí lembrei do que uma amiga havia me falado alguns dias antes, que quando estamos felizes, normalmente por ter conhecido alguém especial, fica muito mais fácil de escrever. É como sentar à frente de um computador e esperar que venham as palavras. Juntando os dois fatos, deduzi que aquele senhor percebeu que eu estava especialmente feliz e deve ter me achado com cara de poeta. Agora estou aqui escrevendo sobre o ocorrido. Estou tão inspirada – não tanto a ponto de fazer um poema – que pensei em escrever um conto, mas o que aconteceu foi, de fato, tão interessante que decidi pela crônica.
Os estudantes, desde o ensino fundamental, são intimados a criar textos sobre suas férias ou sobre a última notícia do jornal. Não conseguem escrever, pois não tem a “tal inspiração”. O que os professores não se dão conta é que deveriam aproveitar que os adolescentes estão sempre apaixonados ou desapaixonados e aguçar o gosto pela escrita fazendo desses sentimentos uma ferramenta. Mas como todos os aspectos da educação no Brasil, as ideias dos professores também estão precárias, o que é completamente compreensível para mim, futura professora de Língua Portuguesa e assustada com o ensino público (ultimamente com o privado também). Facilitaria se fossem sugeridos, pelo menos, três temas e mais um que desse ao aluno liberdade de escrever sobre o assunto de sua preferência, pois não sabemos se naquele mesmo dia ele não viu um “passarinho verde” que o trouxe inspiração ou se não levou um “chute no bumbum” e está precisando escrever um pouco para “afogar as mágoas”.
Conheço uma pessoa que – acreditem – ganha até dinheiro publicando livros, que costuma dizer que um autor precisa de algo que o deixe triste, ou até depressivo, para ter assunto suficiente para fazer da escrita o seu trabalho. Do contrário, cria um texto aqui, outro ali, pensando sempre em coisas banais, fazendo com que o leitor ache tudo muito parecido. Como eu já disse, ele é um “escritor de verdade”, sabe o que está dizendo. E agora, quem está certo, o triste e experiente autor ou eu que estou aqui super feliz por ter conhecido uma pessoa que me trouxe inspiração para escrever esta pequena crônica?
As minhas notas de redações na escola eram sempre baixas porque não chegavam às vinte linhas solicitadas pela professora. O problema é que sempre que começo a escrever – sim, é assim até hoje – eu já sei como será o final e a ansiedade de contar essa parte me impede de desenvolver mais as ideias. Então, vamos logo ao ponto onde eu queria chegar, aproveitando para responder a pergunta do parágrafo anterior. O que faz deste texto uma crônica e não um conto? Agora já são duas perguntas para responder e eu não vou fazê-lo. Como estudante de letras, vou treinar para a minha futura profissão tentando instigar o pensamento do leitor. A principal característica que difere a crônica do conto é que um é real e o outro é ficcional, certo? Aquela primeira pergunta, por exemplo, não me foi feita, eu não conheci ninguém nesta semana e as vezes escrevo quando estou triste e as vezes quando estou feliz e nem por isso podemos dizer que este texto é um conto, mesmo que muita coisa nele seja ficção. Então, colegas professores, paremos um pouco de exigir tanta classificação e tentemos despertar nos alunos o gosto pela leitura. Estudar os gêneros literários é sim, muito importante, mas o saber escrever só acontece depois de muita leitura. De nada adianta classificar e não conseguir ler e expressar-se.


Agosto/2012