Sempre
fiquei encantada vendo aquela bailarina girar ao som da música tão suave que a
embalava. Quando era criança, eu chegava à casa da minha avó, dava um abraço
apressado e ia para o quarto abrir a caixinha para ver a boneca. Passava muito
tempo ali dançando com ela. Dava corda mais uma vez, dançava mais um pouco e
assim eu ia fazendo até que a vontade de correr para o colo da minha avó me
fazia desligar um pouco daquela magia. Antes de sair, eu colocava a bailarina
para dormir, queria que ela tivesse um sonho bem bonito para dançar lindamente
para mim no outro dia. Antes que ela pegasse no sono eu dava mais uma corda
para que, assim que eu a acordasse, ela pudesse começar logo a sua
apresentação.
Eu
estava na quarta série quando a minha tia me deu de presente o primeiro livro
que li, O Mágico de Oz. Decidi que a partir de então, a boneca da
caixinha se chamaria Dorothy, pois imaginei que ela devia sonhar tanto quanto a
menina do livro. As duas foram muito importantes na formação da adulta que sou
hoje. A Dorothy do livro me ensinou a não desistir de nada que eu queira,
sempre há um jeito de alcançar se não desistirmos. A Dorothy bailarina, que
nunca me contava nada do que estava sentindo, me mostrou que algumas coisas
devem ficar guardadas em uma caixinha, acompanhadas de uma boa música.
Construí
minha caixa e a primeira coisa que guardei lá foi a Dorothy que tirei da
caixinha da minha avó depois que estragou e coloquei junto à lembrança que
tenho dela, a verdadeira dona da bailarina. A que tenho mais nítida e que foi a
que eu escolhi pra deixar lá, foi a do dia em que fizemos o piquenique no
descampado perto do rio. Ela fez questão de levar café passado em uma
garrafinha, porque comer os bolos dela sem sentir aquele cheirinho seria muito
injusto e eu reclamaria. Enquanto comia todas aquelas coisas boas sem pensar em
quantas calorias estava ganhando – crianças são muito inteligentes para se
preocupar com isso – ela me contava algumas histórias. Uma delas eu decidi
guardar também, e por isso vou contá-la em breve. Comemos, tomamos café e
conversamos até o anoitecer. Ajudei-a a recolher a toalha xadrez de vermelho e
branco, coloquei as cascas das maçãs em uma sacola e fomos de mãos dadas para
casa. Claro que não para a minha, dormi com ela naquela noite.
Antes
de contar a história que eu escolhi – estou com medo de esquecer algum detalhe
– vou guardar a música. Eu achei graça quando comecei a perceber que todas as
vezes que meu irmão brigava com a namorada, trancava a porta do quarto e ficava
escutando Legião Urbana ou Engenheiros do Hawaii. Se ele já estava triste pela
situação, por que escutava músicas que o deixavam ainda mais triste? Até
que, quando eu tinha sete anos, tive que me separar do grande amor da minha
vida. É verdade, com sete anos! Então eu pensei: meu irmão já tem 19 anos, deve
saber o que está fazendo. Decidi pegar uma das fitas dele, me trancar no quarto
e desde então, fiquei durante meses escutando quase todos os dias a canção que
eu vou guardar pra sempre: Giz.
Eu
disse que era o amor da minha vida, pois até hoje, mais de vinte anos depois,
quando a escuto, lembro dele. Começamos o nosso namoro aos três anos, não sei
bem como foi o início, mas antes mesmo de sabermos falar direito, segundo o que
minha mãe conta, ele batia lá em casa e saíamos os dois de mãos dadas para
passear. Veja bem que era um namoro sério, até com o consentimento da família.
Nessa mesma época ele guardava tijolos no fundo do pátio e dizia que era para
construir a nossa casa quando fôssemos adultos. Passamos todas as tardes juntos
até os sete anos de idade quando ele foi morar longe da nossa pequena cidade.
Continuamos nosso relacionamento por cartas e visitas, tanto minhas quanto
dele, duas ou três vezes por ano. Quando tínhamos treze anos eu dei o meu
primeiro beijo que também era o primeiro dele. Claro que foi um desastre, mas
ele vai ficar bem guardado na caixinha, pois lembro perfeitamente do que senti
naquele momento. Aquele foi nosso último fim de semana de namoro. É muito
difícil guardar pessoas na caixinha de música, pois isso só acontece quando
sei que elas não farão mais parte da minha vida, ficarão somente na memória.
Mas como ontem eu recebi a notícia de que ele vai casar no próximo mês, está
mais do que na hora de deixá-lo na companhia da minha bailarina.
Desde que comecei a construir a caixinha, estou
pensando na história da minha avó, mas não consigo lembrar os detalhes. Sei a
parte mais importante e que precisa ser guardada lá. Era uma vez uma menina que
prendia os cabelos com duas fitas, usava um vestido no comprimento do joelho e
era dona do sorriso mais lindo que já se viu – eu sempre imaginava a Dorothy do
livro quando ela descrevia a menina. Depois que eu a enxergava, aconteciam
muitas coisas na história que eu não lembro bem, mas o que não vai sair da
minha memória é que ela sempre dava um jeito de realizar seus sonhos. Ela
sonhava tanto com uma estrela que um dia alcançou uma e, segurando firme com
apenas uma das mãos, passeou por um lugar lindo que possuía flores de todas as
cores. Essa foi a recompensa por não ter desistido do que parecia impossível.
Essas coisas ficarão guardadas pra sempre, imexíveis. Agora preciso dar corda
na minha caixinha de música, deixar a boneca descansar e sair em busca da minha
estrela. Não devo demorar.