quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Carta


Para mim, acordar sem um abraço acompanhado de um sorriso e um bom dia, assim como dormir sem um beijo, só acontece quando não existe nada além de sexo. Acho que por isso eu não fazia, nós tínhamos aquela mania de colocar aspas quando escrevíamos alguma coisa sobre o “nosso relacionamento”.
Desde que meu pai morreu, minha mãe ficou muito reservada. Se ela não tivesse mudado tanto, tenho certeza de que aceitaria que eu apresentasse o Rômulo como meu namorado, até porque a Cleonice, mãe dele, era amiga de infância da minha. Tudo bem. Para nenhum de nós dois havia algo mais forte do que a falta que sentíamos do meu pai que, apesar de ser muito conservador, enchia a casa com música e risadas. Não fosse o câncer, ainda teríamos toda aquela alegria, mas ele também não deixaria que eu entrasse em casa com o Rômulo, por isso eu não culpo a minha mãe, o meu drama não seria diferente.
Nos conhecemos quando crianças, devido a amizade de nossas mães. Quando adolescentes, pudemos notar nos gestos um do outro que sentíamos a mesma coisa, mas só conseguimos, de fato, nos relacionar quando já estávamos com quase vinte anos. Claro que o meu desejo era contar para todo mundo o que estava acontecendo. O pior era ter que me esconder como se eu estivesse cometendo algum crime. Decidimos não levar aquela história tão a sério, já que não poderíamos mesmo ver aquilo como um namoro, por isso as aspas na palavra relacionamento.
Cada minuto que passamos juntos valeu por cada lágrima que eu derramei por não poder estar sempre ao lado dele. A nossa cumplicidade era imensa, dava sempre a impressão daqueles clichês de comédia romântica, mas mesmo com tudo isso, insistíamos em dizer que não tínhamos nada além da cama, assim, parecia que o sofrimento seria menor. Grande ilusão! Nós dois tínhamos a mesma vontade, os mesmos desejos e o mesmo sentimento. Mascaramos tudo porque nada dependia de nós.
            Não vou dedicar esta carta a ninguém, talvez minha mãe leia, talvez o Rômulo ou talvez só a polícia, não importa. Passei a vida inteira com uma dúvida me consumindo e foi isso que me impediu de ser feliz e, para que as pessoas que amo não tenham esse mesmo sentimento, está tudo esclarecido aqui. Já disse que não culpo a minha mãe e espero que ninguém o faça, ela apenas manteve, de certa forma, o meu pai presente entre nós. Culpem toda a sociedade. Minha mãe não ficaria feliz se eu resolvesse assumir este romance, mas a dor será muito maior por não me ter ao lado dela, esse será o seu castigo não merecido. Vocês que ficarão com os olhos arregalados ao saber disso tudo são os verdadeiros culpados. Saibam que uma vida está acabando assim porque todos vocês ficariam escandalizados ao saber que o filho do Major Rodrigo se apaixonou, um dia, pelo filho da Cleonice.