Aquele abraço durou quase dois minutos e Amélia não
perguntou nada, não falou nada, e não diminuiu a força em seus braços enquanto
envolviam o namorado que chegou abalado em casa. Sempre que ele precisou, foi ali que buscou conforto e nunca saiu de um abraço sem estar com o
coração mais tranquilo do que havia entrado nele.
Os dois conheceram-se na escola, Ensino Médio. Amélia não
era bonita, mas tinha um jeito de lidar com as pessoas que fazia dela uma das
alunas mais populares dali, embora nunca tenha buscado isso. Todas queriam ser
suas amigas e ela nunca julgava ninguém sem antes conhecer. Conversou com
Márcia por alguns dias e pode sentir a maldade com que ela falava dos outros.
Afastou-se imediatamente. Quando ficava com um ex de uma amiga, era sempre
perdoada, ninguém conseguia sequer ver maldade naquele ato. Os guris que não a
conheciam, nem a notavam durante o encontro das escolas nos jogos municipais.
As gurias não a olhavam de cara feia, pois sua aparência não era de causar inveja.
Juliano era o melhor amigo de Amélia que era a melhor amiga de muitos colegas e
amigos de amigos a quem era apresentada durante a adolescência. Era impossível não se apaixonar por ela e não se sentir a vontade para contar todas as
confidências e esperar pelos conselhos. Ela não sabia fazer isso, mas ninguém
se importava, um olhar e um abraço dispensavam qualquer palavra. Estudavam
juntos desde o primeiro ano, mas só na metade do segundo é que ele teve coragem
de contar seu maior segredo que ela, é claro, já sabia. Começaram, então, a
namorar. Viam-se todos os dias na escola e passavam os fins de semana grudados.
Gostavam tanto um do outro e gostavam tanto da companhia um do outro que a mãe
dele e alguns colegas diziam que não ficariam juntos por muito tempo.
Erraram. Logo depois da formatura do Ensino Médio,
Juliano recebeu a notícia da aprovação no vestibular de medicina. Amélia ainda
demorou mais um ano para entrar na faculdade. Claro que todo mundo já pensou
nisso. Sim, o nome dela era por causa da música. Janice dizia que sua filha não
ia se importar em ter um sapato bonito e um corte de cabelo da moda. Seria
inteligente e independente. Quando casasse, seu marido não precisaria ajudar a
lavar os lençóis sujos. Também errou. Amélia não casou, mas foi morar com
Juliano quando, no quarto semestre, a medicina começou a lhe tirar todo o tempo
que tinha pra conciliar a limpeza do apartamento, o trabalho e os estudos.
Ela trabalhava só pela manhã e o curso de pedagogia a distância não exigia
tanta dedicação, então conseguia sempre deixar o apartamento em ordem. Fazia um
escândalo toda vez que encontrava uma cueca no chão do banheiro, porque era
mesmo uma mulher de verdade e embora muito compreensiva, exigia que ele a
ajudasse.
Brigavam quase todos os dias por alguma coisa boba, mas
nunca dormiram sem um beijo de boa noite e um sorriso que representava o já
passou. Não diziam eu te amo todas as noites, mas não passavam um
dia sem deixar um bilhete. Um hábito que adquiriram no início do namoro, quando
mandavam bilhetinhos com palavras apaixonadas escondidos das professoras. Um
sabia tudo o que acontecia na vida do outro, sinceridade era a única coisa que
os dois exigiam. Quando a mãe de Amélia morreu, foi no abraço dele que
conseguiu parar de chorar por alguns instantes. Desde que eram amigos, ela
sempre disse que não conhecia outra coisa que a deixasse tão segura quanto
estar ali, tão perto de Juliano.
Foi
naquele abraço que ganhou quando chegou em casa, por estar tão perto de
Amélia, que ele conseguiu parar de chorar um pouco. E ali mesmo, disse à namorada
que não queria filhos, pois não sabia cuidar de uma criança. Estudou seis anos
durante a faculdade, além da residência. Um mês depois de acabá-la, fez sua
primeira cirurgia. Logo em uma criança. Não foi ele quem deu a notícia para os
pais. Não foram os pais que pensaram em largar tudo o que tinham construído até
agora. Não foram os pais os primeiros a serem encaminhados à terapia. Juliano
não quis entrar na sala da psicóloga do hospital onde trabalhava, foi direto
para casa. Precisava da segurança daquele abraço. Amélia não sabia dar
conselhos, mas aquele olhar e aquele abraço, mais uma vez, dispensaram qualquer
palavra.